Pedro Hallal

É epidemiologista, professor da Escola Superior de Educação Física da Universidade Federal de Pelotas e coordenador do Epicovid-19, o maior estudo epidemiológico sobre coronavírus no Brasil.

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Pedro Hallal
Descrição de chapéu Coronavírus Prevent Senior

Pesquisa científica não é brincadeira para moleque

Quem descumpre as regras precisa ser exemplarmente punido

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Nas últimas semanas, os brasileiros receberam, com perplexidade, informações sobre um experimento cruel, realizado durante a pandemia. Caso as informações que vieram a público sejam confirmadas, trata-se de uma crueldade talvez inédita na história da ciência brasileira, que precisa ser exemplarmente punida, para que nunca se repita. Em 10 tópicos, eu e o professor Daniel Umpierre, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, descreveremos questões essenciais para que as pessoas entendam um pouco mais de experimentos científicos.

Fachada do hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, na rua Maestro Cardin no Paraiso, zona sul de São Paulo
Fachada do hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, na rua Maestro Cardin no Paraiso, zona sul de São Paulo - Rubens Cavallari - 20.mar.20/Folhapress

1. Um estágio inicial de qualquer pesquisa envolvendo seres humanos é a aprovação em um comitê de ética em pesquisa. Esses comitês, ligados à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), avaliam os protocolos para garantir que os cuidados necessários sejam tomados. É um passo essencial para evitar que experimentos desnecessários ou nocivos sejam conduzidos.

2. Nos estudos com abordagem experimental, os pesquisadores não apenas observam os fatos, mas também intervêm junto aos participantes. Este tipo de pesquisa possui protocolos bastante rigorosos, para garantir que o experimento não produza mais dano do que benefício e que o participante esteja 100% ciente dos riscos e benefícios ligados à sua participação. Nesses casos, além da aprovação em um comitê de ética em pesquisa, é essencial fazer o registro do experimento em plataformas específicas para esse fim, mais uma vez evitando experimentos cruéis.

3. O sigilo imposto aos dados de pesquisa é para proteger os participantes, não para proteger os cientistas responsáveis pelo estudo. Resguardada a proteção aos dados sensíveis dos participantes, há um movimento crescente promovendo que os bancos de dados das pesquisas envolvendo seres humanos sejam transparentes, exatamente para evitar que experimentos cruéis sejam realizados e para permitir que os resultados possam ser minuciosamente verificados por outras pessoas.

4. Em qualquer estudo experimental sério, envolvendo a comparação de novos tratamentos médicos a uma intervenção fictícia (placebo) ou a tratamentos que já estejam em uso, os pacientes são sorteados para receberem o tratamento em questão ou não. Não cabe ao participante do estudo decidir se quer receber o tratamento ou não. O exemplo mais clássico vem dos estudos de vacinas, onde os participantes não escolhem se receberão a vacina ou o placebo.

5. Por mais que os pesquisadores tenham uma hipótese inicial, o princípio elementar da ciência é que as perguntas são tão importantes quanto as respostas. Em outras palavras, não cabe ao pesquisador manipular os dados para confirmar sua hipótese prévia. Cabe ao pesquisador analisar os dados e relatar os resultados.

6. É inadmissível, em qualquer experimento sério, que os pesquisadores classifiquem os participantes de maneira incorreta. Por exemplo, uma pessoa que estava infectada por Covid-19, e veio a falecer algumas semanas depois, não pode, jamais, ser classificada como se não tivesse Covid-19. A alteração destes registros é fraude e a omissão intencional de informações é uma conduta científica totalmente inadequada, além de criminosa.

7. Os próprios participantes, ou na impossibilidade desses, seus familiares, devem ter acesso a todas as informações sobre os riscos, benefícios, e os resultados relacionados à participação no projeto. A omissão e a distorção de informações aos participantes são inaceitáveis num contexto de ciência séria.

8. O protocolo do estudo experimental sério deve ser rigorosamente respeitado, e não há espaço para malabarismos no protocolo aprovado pelo comitê de ética. Não cabe aos pesquisadores ou profissionais ligados aos participantes decidir se cumprirão ou não o protocolo da pesquisa. O protocolo deve ser cumprido, até que haja aprovação formal para sua modificação.

9. A publicação de estudos experimentais se dá em canais de comunicação reconhecidos pela ciência, especialmente após revisão por pares. Em outras palavras, outros cientistas julgam o nosso trabalho antes que a gente o publique. Isso evita que experimentos macabros sejam divulgados.

10. Pesquisa científica não é brincadeira para moleque. Existem regras baseadas no princípio de fazer bem aos outros, que vêm sendo construídas há séculos. Quem descumpre dolosamente essas regras, precisa ser exemplarmente punido.

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